Um paradoxo chamado Palmeiras (e um convite)
Nunca houve tanto reclamação sobre um time que ganha tanto (e como isso me cansa)
Como torcedor palmeirense, confesso que os últimos anos têm me trazido uma sensação de paradoxo: ao mesmo tempo em que poucas vezes na história o time foi tão vencedor, nunca a torcida em geral pareceu tão insatisfeita. E não é nem com eventuais tropeços: basta uma falha durante as partidas, mesmo que o jogo termine em vitória, que as redes sociais e grupos de whatsapp se tornam uma filial da inquisição de Torquemada.
Weverton, depois da falha clamorosa no gol do Corinthians, há duas semanas,, é a bola da vez, mas Luan tem cada toque na bola esquadrinhado com lupa, Marcos Rocha e Piquerez também andam sendo alvo, Rony e Breno Lopes, os odiados preferidos. Sobra também para Abel, claro, quando supostamente a escalação não vai dar certo ou se as substituições foram “erradas”. E para Leila, quando as atuações em campo deixam transparecer os erros e omissões nas janelas de transferências. E tudo isso é apenas o começo do ano. Doze partidas, contando o Choque-Rei deste domingo.
(Começo a escrever este texto depois de fechar a janela no zap, abrir o Twitter, ver um frame da suposta falha de Weverton no primeiro gol tricolor e, puta merda, que cansaço. O primeiro tempo nem acabou ainda, sabe?)
Cansaço, principalmente, porque esse comportamento tem se repetido, de forma recorrente, nos últimos dois anos. Deixei um grupo de whatsapp com pessoas supostamente sensatas, e visões de mundo similares às minhas, depois de um show de indignação vazia no clima “fora todos”, no dia 6 de setembro de 2022, em que o Palmeiras foi eliminado da Libertadores nas semifinais pelo Athletico-PR. Depois de conquistar o torneio por dois anos consecutivos, o terceiro título seguido de sonho virou obrigação, e a eliminação, um vexame. Meses depois, o time foi campeão brasileiro.
No ano passado, sem grupos, limitei-me a acompanhar a repercussão no Twitter e cheguei a escrever sobre esse sentimento algumas vezes aqui. Na eliminação da Copa do Brasil, diante do SPFC, quando escrevi admitindo que o rival foi melhor e que o time precisava se reconstruir num momento ruim, um rapaz chegou a me acusar de “ser da turma do desfrute”.
Ser da “turma do desfrute”, pro pessoal da indignação explosiva a cada passe errado, significa simplesmente aceitar que futebol é feito de vitórias e derrotas, que os melhores times podem falhar eventualmente e que boa parte da graça do futebol, ora vejam, está justamente nesse fator de infinita improbabilidade, que faz o Palmeiras ser melhor ao longo dos primeiros 30 minutos de um clássico e acabar sofrendo um gol num lance infeliz.
Que é, não por acaso, a mesma improbabilidade que permite ao Palmeiras tirar 14 pontos de desvantagem em 11 rodadas e conquistar mais um título brasileiro, a despeito das imperfeitas - e tão criticadas - atuações.
(Reabro as janelas do zap - voltei ao supracitado grupo no começo do ano - e do Twitter. O Choque-Rei segue. O Palmeiras empata após um pênalti anotado com ajuda do VAR, com muita reclamação dos são-paulinos, enquanto alguns palmeirenses já previam que Veiga perderia a cobrança. Logo em seguida, o VAR chama um possível pênalti para o São Paulo. Palmeirenses já davam o gol como sofrido, mas o juiz não marca a infração.)
A verdade é que esse cenário me cansou. Durante muito tempo escrever sobre futebol foi o meu ganha-pão, e não posso dizer que não tenha me preparado e direcionado minha vida para isso - ainda tenho em algum lugar uma crônica de um jogo interclasses da 4ª série em que tive uma participação pavorosa, com direito até a gol contra, mas o texto ficou um chuchu, ganhou 10 e estrelinha.
Nos últimos 10 anos, porém, depois que passei a trabalhar em outras áreas do Jornalismo, escrever sobre esportes e futebol se tornou muito mais um passatempo: sem obrigação de tempo, tentando encontrar alguma relação curiosa entre o jogo em si e o mundo que nos cerca, visto que o futebol não é um espaço isolado da sociedade.
Foi assim que produzi 38 episódios do OlimpCast, podcast sobre a história dos Jogos Olímpicos, ou que escrevi durante alguns anos o blog Corneta & Amendoim, no site da ESPN. E, sim, nesse tempo escrevi muitos textos indignado por uma derrota simples. Também usei o Twitter para apontar o dedo para falhas individuais, reclamei de técnicos, enfim, o que todo torcedor faz.
Só que, como eu disse acima, me cansei disso. Primeiro por uma constatação lógica: o time, nos últimos anos, de longe, vem dando muito mais alegrias do que tristezas. Segundo, ao colocar o primeiro ponto em perspectiva histórica de curto prazo: 10 anos atrás, o Palmeiras tinha um time horrível, passou a maior parte da temporada sem um estádio em pé e teve como grande feito do centenário escapar do rebaixamento graças a um gol do Santos. Olha o que temos hoje: sério que é preciso reclamar tanto? Estou, como disse meu acusador, em tempo de “desfrutar”. Temos um time que é bom e, acima de tudo, que não desiste, que luta, que erra muito mais pelo excesso do que pela omissão.
Não significa que eu não fique puto nos gols perdidos ou nos gols sofridos, que não reclame do juiz ou questione escolhas do Abel. Só que, em tempo de tanta caça ao engajamento, eu prefiro me preservar e ficar na minha, em vez de engrossar esse coro dos descontentes.
Primeiro, porque já sou um senhor de 45 anos, quase 46, com cabelos grisalhos e barba mais branca do que preta, um emprego e muitos boletos a zelar. Não pega bem ficar agindo igual a um psicopata verbal por causa de um gol sofrido pelo meu time só pra ganhar meia dúzia de likes. (Sim, eu julgo pessoas por isso. Já deixei de seguir gente relevante em suas áreas de atuação por esse comportamento ridículo com futebol, e não só palmeirenses.)
Segundo porque essa glossolalia das redes não resolve nada, não tem lógica, não tem fundamento algum, tampouco resultado. Não faz o Abel mudar de opinião, tampouco leva a Leila a abrir os cofres. É só ruído.
E desse ruído eu estou, reitero, cansado.
(O jogo está 1 a 1, virou tiroteio nos minutos finais e o juiz dá 10 minutos de acréscimo. No grupo de whatsapp, alguém xinga todo mundo porque, em sua visão, faltou “sangue nos olhos”. Saio do grupo - de novo. No fim, acabou 1 a 1, placar justo, mas para alguns parece que o Palmeiras sai do Morumbi direto para a Série A-3 do Paulista.)
Enfim, peço desculpas a quem abriu este texto esperando uma análise sobre o Choque-Rei e encontrou uma espécie de desabafo supostamente reflexivo. Enfim, se chegou até aqui e gostou, espalhe esse texto clicando no botão abaixo.
E, se você gosta do que eu escrevo, peço que dê uma olhada no outro Substack que inaugurei esta semana, o Notas de Viagem, que reservarei a outros temas, ideias e formatos que não têm a ver com o Palmeiras (até pode ter, mas só de forma colateral), e no qual tentarei adotar uma periodicidade mais ou menos regulares. Convido-os a ler o texto inaugural, abaixo.
Quanto a esta newsletter aqui, continuará a existir no atual formato “vezinquandal”, ou seja, quando acontecer algo que eu realmente achar que vale a pena escrever a respeito e desafiar o coro. Seguimos.
Eu to numa vibe parecida, por mais que eu tambem tenha achado que faltou "sangue nos olhos" em todos os classicos do ano. Só não acho que é o fim do mundo igual a galera dos grupos e do Xwitter..
Quanto aos grupos, é insuportavel a histeria da torcida... como vc disse, ha 10 anos atras até teríamos motivos pra ser assim, mas hoje?