Tricampeão paulista: e agora, Palmeiras?
Porque o título mais difícil é sempre o próximo e o esporte não dá tempo para curtir a conquista.
Na primeira vez que o Palmeiras foi tricampeão paulista, ele ainda nem era Palmeiras: era Palestra Itália, 90 anos atrás. Assim, é impossível não chamar o título deste domingo de histórico: não se ganha três taças seguidas todo dia.
A conquista histórica, portanto, repetiu o filme dos dois Estaduais anteriores: depois de uma derrota no jogo de ida da final que acabou com a chance do título invicto, o Palmeiras reverteu a desvantagem, venceu sem precisar de disputa de pênaltis (amém!) e levantou mais uma taça diante de um Allianz Parque lotado.
É verdade que foi a mais difícil das conquistas nessa sequência, ilustrada pelo placar - 2 a 0 na conta do chá em vez dos 4 a 0 esbanjadores dos dois anos anteriores. Pode-se acrescentar, ainda, a dificuldade natural de se manter no topo - algo que existe em qualquer espaço da sociedade, mas se manifesta de forma peculiar no esporte.
Afinal, uma cantora que recebe o Grammy não será cobrada por seu público se não repetir o prêmio no ano seguinte, assim como um escritor vencedor do Jabuti não será questionado pela editora ou pelos leitores por não escrever outro best-seller. Trazendo para as profissões mais comuns: jornalistas, designer, professores, advogados, mesmo quando recebem alguma distinção profissional, não precisam nem são instados a repetir aquilo novamente.
Já o esporte, bem, traz consigo essa curiosa insatisfação. Ontem à noite, nem duas horas após o fim da partida, eu já me deparava com palmeirenses lamentando “pena que este será o único título do ano”. Já citei aqui, também, como há um grupo que gosta de fazer barulho nas redes sociais simplesmente por discordar das escolhas do Abel.
E a história do Palmeiras mostra como é difícil se manter no topo: em 110 anos de história, este é o segundo tri paulista; houve apenas outros dois bicampeonatos (1926/27 e 1993/94); no Brasileiro, além do atual bi, tivemos outros dois, em 1972/73 e 1993/94; e o bi na Libertadores completa essa lista, entre os títulos mais relevantes.
Times que ganham sempre precisam se reinventar para seguir no topo, especialmente porque o esporte de alto rendimento não permite ser o segundo, o quinto ou só participar, especialmente diante da necessidade premente de continuar ganhando título para continuar recebendo as cotas e prêmios e patrocínios mais altos que permitirão continuar disputando os títulos, numa pretensa meritocracia que só retroalimenta a mesmice entre os primeiros lugares.
Mas pensar em como o Palmeiras vai seguir no topo não precisa ser assunto hoje. Ainda é tempo de celebrar a genialidade precoce de Endrick, a recuperação técnica e anímica de Weverton, a inteligência de área de Flaco Lopez, a segurança de Murilo e Aníbal Moreno. De comemorar a presença entre nós de Abel Ferreira e de sua comissão técnica, com todas as idiossincrasias possíveis. De festejar a alegria de ser Palmeiras - e de sermos campeões.
No resto a gente pensa a partir de amanhã.
(E esse periquito saído direto da prancheta de rascunhos de “O Menino e a Garça”, hein?)
Os números do título
O Palmeiras fecha o Paulistão com 16 jogos: 11 vitórias, 4 empates e 1 derrota, 28 gols marcados e 11 sofridos. A quem enxerga uma fragilidade defensiva maior, os números dão razão, mas o ataque também foi mais produtivo, a despeito de uma final mais “econômica”: 11-4-1, 25 gols marcados e 7 sofridos.
Em 2022, a campanha foi marginalmente melhor: 12 vitórias, três empates e uma derrota, 26 gols marcados e 7 sofridos.
Além dos números, contudo, há uma clara percepção de que o time precisa se reinventar, e parece claro que Abel está pensando nisso. O início do Paulista foi reservado a testes, mais do que nos anos anteriores - talvez exceto em 2021, quando muitos jovens entraram porque o encavalamento das temporadas no pós-pandemia marcou uma série de jogos dia sim dia não por algumas semanas, o time perdeu rendimento e quase ficou de fora das finais do Paulista, o que foi visto como um escândalo por muitos.
Desta vez, depois dos testes, Abel voltou a insistir na reta final no 3-5-2 com Marcos Rocha do lado direito, de forma a flutuar e eventualmente abrir como lateral, mas a volta de Gómez e a necessidade da vitória o levaram a escolher um time mais ofensivo na decisão de domingo. A ver como será a escalação na quinta, contra o Liverpool, num jogo em que a vitória é obrigatória e a escalação passará pelo pós-ressaca da decisão e do título.
Mas isso, como eu disse lá em cima, não é problema pra agora. Hoje ainda me permito festejar: TRICAMPEÃO. Não é todo dia, afinal.
Deixo, por fim, um abraço comemorativo ao primo-cunhado Ramón Vieira, que comemorou não só o tri do Verdão como a vitória do Paysandu no jogo de ida da final do Parazão. Porque tem gente que GOSTA MESMO de sofrer.
Muito bom o texto, Fernando. Foi um campeonato paulista muito bacana, com muita oscilação natural, mas com alguns brilhos interessantes. O jogo final foi emocionante e sofrido, mas foi muito bom ver a recuperação do Weverton e a subida de produção de atletas como Piquerez. Fora isso, o campeonato do Flaco e a importância tática dele na final, além das assistências. Tem uma formiguinha que trabalha muito e é muito cornetada que é o Marcos Rocha. Foi mal no 1º tempo da ida, mas pouca gente lembra que ele foi bem no 2º e que entrou muito bem no 2º tempo da volta, inclusive travando um ataque promissor do Santos.