26 anos esta noite, 110 anos para sempre
O aniversário de algo que é parte fundamental da minha personalidade
As celebrações de aniversário do Palmeiras, que nesta segunda-feira (26) completa 110 anos num clima meio azedo, diante das frustrantes eliminações recentes e do showzinho misógino do técnico tão genial quanto ególatra, têm sempre um sabor especial para mim, pois me recordam a primeira vez que pisei no Palestra Itália, lá se vão 26 anos.
Eu era um jovem de 20 anos, que tinha acabado de passar no concurso do Banco do Brasil e estava realizando o cursinho preparatório para o que hoje chamam de “onboarding”. Não sei como é hoje, mas na época todos os aprovados no Estado de São Paulo, assim que convocados por suas respectivas agências, passavam uma semana na capital, com hospedagem num hotel ali na Praça da República e horário comercial em intermináveis palestras e insuportáveis dinâmicas de grupo no edifício anexo à agência da Paulista na esquina com a Augusta.
E calhou de, naquela minha semana de curso , a CBF marcar um jogo do Palmeiras em casa, contra o Atlético-MG, bem no dia 26. Bateu então a vontade de ir, claro, mas ao mesmo tempo aquela angústia: será que vai ter ingresso? Será que é perigoso andar por ali à noite? Será que vai ter briga de torcidas? Será que eu vou dar azar e o time vai perder?
(Eu só tinha visto o Palmeiras no estádio uma vez até então - na verdade, meia vez. Foi uma vitória por 2 a 0 sobre o São Bento, aqui em Sorocaba, em 1989, jogo que ficou famoso por um quebra-pau entre torcidas em que, na falta de macas, os feridos eram carregados em placas publicitárias. Eu tinha 11 anos e havia sido levado por meu padrinho, o mesmo “culpado” por me fazer palmeirense naquele período de fila. Só que ele, muito sensato, ao ver o rebote das “cenas lamentáveis” e lembrando que o jogo era televisionado pela Bandeirantes, resolveu que a gente ia embora no intervalo, porque, em tempos pré-celular, talvez minha mãe estivesse mais nervosa do que já estava antes de irmos ao jogo, num tempo em que começavam a correr com mais força as notícias sobre violência entre torcidas organizadas. Dito e feito: chegamos em casa e minha mãe rezava um terço pela nossa segurança.)
Enfim, já haviam se passado nove anos, já havia ido várias outras vezes ao estádio em Sorocaba e já tinha passado muitas vezes de carro pelo Palestra ali na Matarazzo, em idas ocasionais a São Paulo. Já morava em república fazia mais de dois anos, em Bauru, e já tinha colocado minha segurança em risco em outras ocasiões menos importantes. Decidi que tinha chegado a hora.
Na turma do banco tinha alguns colegas que eram palmeirenses, mas não se animaram, exceto um, o Vagner, que era de Ribeirão Preto e também era calouro no Palestra. Juntos, pegamos o metrô, descemos na Barra Funda e fomos andando até o estádio. Compramos o ingresso numa bilheteria da Matarazzo, R$ 10 salvo engano, e entramos por ali mesmo.
Até hoje sou incapaz de descrever em palavras a sensação de entrar e dar de cara com o jardim suspenso, de subir uma das escadas até a arquibancada, de escolher um lugar, de olhar para os lados e explorar os sentidos - cheiros, ruídos, cantos, fumaça, fogos, bandeiras...
Até engraçado pensar que, se hoje o clube lança um novo terceiro uniforme a cada aniversário (sempre um mais horrendo que o outro) e faz todo um escarcéu (justo e correto) pela data, naqueles tempos em que marketing esportivo era só um discurso de cartola pra enganar trouxa a data malemá foi lembrada, não teve nada de especial, nem sequer o hino do clube tocado de alguma forma mais solene.
O jogo em si foi qualquer nota. O time disputava a liderança do Brasileirão, mas isso fazia pouca diferença em tempos de mata-mata. Sempre guardei o placar de 2 a 1 e os dois gols do Arce de falta, mas não me lembrava da lesão do Paulo Nunes e do gol do Galo ter sido de pênalti. Foram pouco mais de 7 mil almas e R$ 76 mil de renda.
O Palestra que eu conheci aquele dia não existe mais, embora uma parte das arquibancadas que eu cruzei naquela noite ainda esteja ali, num misto de memorabilia com drible na burocracia (só foram mantidos para mentir à prefeitura que era uma reforma, já que o clube e a W/Torre tinham alvará de reforma, e não de demolição e reconstrução). O Palmeiras de lá para cá viveu alguns de seus maiores altos, mas também os principais baixos.
Eu deixei o Banco do Brasil depois de exatamente um ano e me mudei em seguida para São Paulo, onde moraria até 2003, o que me permitiu voltar ao Palestra muitas vezes depois daquela noite. Assim como voltaria outras mesmo depois de tornar a morar no interior, e como estive no Allianz, e quando não vou, estou sempre postado à TV sempre que o time entra em campo.
É engraçado isso de torcer. Goste eu ou não, seja isso bom ou ruim, o Palmeiras é parte do que eu sou, é parte do que moldou e molda a minha personalidade, é algo que preenche minha existência e impacta minhas escolhas e meu humor. Mesmo que eu tenha zero controle sobre o que acontece ali, tem influência direta em minhas alegrias e tristezas. Então, parabéns, Palmeiras, obrigado por tudo e vamos em frente!